domingo, 15 de novembro de 2009

Entrevista Thiago Amaral

Em um sábado de primavera, com 40 graus de sensação térmica, Copacabana estava quente. Nas poltronas do teatro Villa-Lobos, na Av. Princesa Isabel, o ator Thiago Amaral deixou os ensaios do espetáculo musical O Despertar da Primavera para conversar com a equipe do FZS.


Natural do Rio Grande do Sul, Thiago Amaral é um talento promissor e uma das figuras mais cativantes da nova geração. Aos 14 anos começou a fazer teatro em sua escola, de lá pra cá despontou como uma das revelações da oficina de atores da TV GLOBO e hoje é uma das estrelas do musical O Despertar da Primavera, de Frank Wedekind, com versão brasileira de Charles Möeller e Cláudio Botelho. Fez participações em novelas, seriados e minisséries, onde demonstrou grande habilidade em sua interpretação.
No espetáculo encarou o desafio de viver Hanschen, um jovem alemão homossexual, a personagem mais polêmica da história. Entre os temas da entrevista, como a cena de um beijo com outro ator e comentada masturbação no palco, o ator revela como foi conceber a personagem que marca sua estreia como cantor nos palcos cariocas.



FZS: Como começou sua carreira com o teatro?




Thiago: “Eu comecei fazendo teatro no colégio, em Porto Alegre, onde nasci e morei. Comecei a fazer teatro com o primeiro grupo de teatro que teve na escola. Chegamos a participar de alguns festivais que aconteciam no interior do estado e reuniram várias escolas. Depois quando acabou o colégio eu comecei a fazer cursinho, já pensando em fazer faculdade de artes cênicas. Passei no vestibular e comecei a cursar a faculdade na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Entrei na faculdade e comecei a ter aula de corpo, de voz, todo currículo normal. Paralelo a isso montamos um grupo de pesquisa de corpo e de pré-expressividade, de coisas que o ator tem de ter antes de entrar em cena. Depois disso eu comecei a fazer publicidade e outras linguagens, entrei em uma agência de modelos que me indicou para fazer testes. Fiz alguma coisa de cinema na casa de cinema de Porto Alegre. Então chegou o momento há dois anos atrás que fiz o teste para entra na oficina de atores da Globo. Passei e mudei para o Rio. Fiquei um ano e meio contratado pela emissora. Vim para cá estudar e morar sozinho, uma experiência nova para mim e pude trazer todo a minha vivência de faculdade que é uma coisa muito legal de salientar. A experiência que a faculdade dá para o ator, nenhum outro tipo de escola vai dar. Todas as pessoas que estão ali querem fazer aquilo com professores que também querem estar li, já que a remuneração não é boa. Eu pude trazer toda minha bagagem e grupo de pesquisa pra cá para a oficina de atores que me agregou muito. Tudo foi muito modificador. Eram aulas de das 10h da manhã às 19h, de segunda a sexta-feira. Foi um processo transformador”.




FZS: Como foi ganhar um prêmio de melhor ator logo no início de sua carreira?


Thiago: “Foi uma descoberta, por que estes festivais as peças eram autorais, tínhamos montado D’artagnan e dos Três Mosqueteiros. E era tudo muito novo, era muito mais intuição do que qualquer outra coisa. Talvez eu não tenha levado tão a sério assim essa história de prêmio ou não, por que estava todo mundo se divertindo. Mais isso já foi um indicio muito forte do que eu iria fazer para resto da minha vida. O meu primeiro contato com o teatro de verdade foi nesses festivais. O fato de ter conseguido me experimentar o bastante para as pessoas me reconhecerem e elogiarem ao ponto de ganhar um prêmio foi maravilhoso. Mais para me dar um norte do que eu quero fazer do que propriamente um prêmio”.




FZS: E existe hoje a vontade de ganhar mais prêmios?




Thiago: “Existe vontade, mas eu acho que isso é conseqüência. Muito mais do processo de trabalho do que de qualquer outra coisa. Eu não trabalho pensando em ganhar prêmio. Se você começar um trabalho pensando nisso, não vai ser sincero com você, nem com a figuro que você esta montando. Os prêmios são muito bem vindo, se vierem, mas isso é conseqüência”.




FZS: Qual foi a importância da formação acadêmica na sua trajetória?


Thiago: “O Rio de Janeiro é um mercado muito inflado, então quando eu vim para cá, senti que quanto mais experiência e estrumentalização eu tiver, eu não vou ser mais um. Você tem com o que trabalhar, caso que exijam algum determinado aspecto. Eu acho que o talento é muito importante, mas mais importante é a técnica, por que é a técnica que vai salvar. É ela que vai fazer você repetir 50 vezes o mesmo espetáculo, como aconteceu semana passada aqui, quando completamos 50 apresentações. O talento vai ajudar a você ter um certo brilho, mas é a técnica que vai fazer você entrar em contato com o espectador. O talento e a simpatia têm hora que não vem, tem hora que você não acorda bem, ou de mau humor, tem hora que você não quer fazer e o que vai salvar vai ser a técnica”.




FZS: E como sair de casa e vir para o Rio de Janeiro?


Thiago: “Isso foi um processo muito rico para mim, principalmente como ator. Eu gosto de citar um livro chamado Cartas a um Jovem Poeta, de um autor alemão, ele fala que uma das coisas que ator, poeta ou profissional da arte precisa passar é o processo da solidão. E a solidão não precisa ser alguma coisa ruim, pode ser um silencio e vir morar sozinho aqui, em outra cidade, me veio essa citação. Esse processo de altoconhecimento é muito importante. Passei por alguns perrengues aqui, mas isso me ajudou a crescer. Quando eu cheguei aqui eu passei por algumas provas que me fizeram ver que aqui vai ser o meu lugar. É aqui que eu quero construir minha carreira e começar a trabalhar’’.


FZS: E como foi a experiência com publicidade?



Thiago: “Eu trabalhei muito com publicidade no sul, paralelo a faculdade eu comecei a fazer testes. Fiz mais 30 propagandas. Foi bem legal por que foi meu primeiro contato com o veículo televisão”.


FZS: Como você foi selecionado para a oficina de atores da TV GLOBO?

Thiago: “Foi um processo de testes bem forte. O Leo Gama que é responsável pela pesquisa da Globo foi para o sul e lá ele marcou uma entrevista comigo, através da agência e a partir dessa entrevista ele decidiu que eu poderia fazer um registro. Me deu um texto, um monologo, eu gravei e ele trouxe a fita aqui pro Rio. Duas semana depois ele me ligou dizendo que eu estava sendo selecionado para começar a fazer os testes para a oficina. Eu vim pro Rio, fiquei uma semana aqui, e participei de uma bateria de três dias de testes. Dinâmica de grupo, exercício de improvisação, você grava uma cena em dupla e no final do processo você grava um monologo. E essa gravação vai passar por uma banca de diretores da casa e de professores da oficina e depois de umas duas ou três semana ele me ligou novamente. Eu me lembro de cada detalhe. Eu estava trabalhando na assistência de produção de elenco em uma produtora, estava editando um vídeo, e meu telefone tocou com o DDD 021. Ele disse para eu pensar em uma notícia boa e eu não acreditei. Sai e fui pra rua e liguei para minha mãe”.



FZS: Quais foram seus trabalhos dentro da oficina?


Thiago: “Eu fiz Ciranda de Pedra, A Favorita, Casos & Acasos, Dicas de um Sedutor, Toma lá dá cá, todos durante minha estada na oficina. Temos um contato bem estreito com os produtores de elenco, eles vão lá na oficina conhecer a gente e conversar. Foram participações pequenas, mas todas com texto. O teatro é minha casa, é onde eu nasci. Onde eu me descobri ator. E entrar em contato com toda aquela produção que a Tv Globo tem, com aquela estrutura imensa faz muito bem. Conheci pessoas maravilhosas, a Arlete Salles tem uma foto muito interessante comigo, eu fiz o namorado dela em Toma lá dá cá e tinha de beijar e foi uma coisa tão tranqüila. Foi uma experiência muito boa ter passado por lá e ter participado da oficina”.



FZS: você já cantava antes do musical?




Thiago: Eu tocava violão de vez em quando com os amigos. Eu fui aperfeiçoar para o espetáculo. Comecei a fazer aula de canto, fonoaudiólogo e isso muda tudo. Quando eu fui fazer aula mesmo e ter noção de tempo, de nota, de sustentação, ritmo e coisas assim, foi bem diferente. Sempre tive contato com a musica, mas como hobby. Eu me lembro quando criança que minha mãe antes de dormir rodava um LP e fazia eu identificar onde estava o som de cada instrumento. Onde estava o som do baixo, do teclado, se tinha segunda voz, então essa musicalidade que eu tenho hoje começou na infância”.


FZS: E como foi ser selecionado para participar de O Despertar da Primavera?



Thiago: “O meu empresário ficou sabendo da audição e a produtora de elenco pediu para que eu gravasse uma demo. Fui para um estúdio gravei uma demo (violão e voz) e a partir disso ela me convidou para fazer a audição. Tinha de cantar uma musica de musical e comecei a pesquisar. Eu me apavorei, as músicas que eu pesquisei eram óperas. No dia do teste até o pianista não consegui me acompanhar. Acabou o teste eu olhei para o Charles e disse é isso. E ele disse que foi bom e me chamou. Conversou comigo e disse que eu passaria para a segunda audição e ele me deu uma cena da peça e pediu para eu cantar outra música. Voltei dois dias depois com a cena e a outra música. Essa audição foi um momento muito especial para mim por que eu já estava hã um ano e meio aqui no Rio só fazendo televisão e o teste foi em um teatro. Foi no Teresa Rachel. Quando eu entrar para fazer a audição e vi que era um teatro disse logo: aqui é minha casa, aqui é meu ninho de experimentação. Então por mais que eu não soubesse o que ia acontecer neste minha primeira audição foi tudo muito confortável para mim, fui muito feliz durante aquele minutos. E isso foi importante para eu estar aqui agora neste espetáculo”.



FZS: O que narra o espetáculo?



Thiago: “O espetáculo é de um texto do século XIX, de 1891, de um autor chamado Frank Wedekind. É um texto que trata sobre as figuras de autoridade e os jovens. Ele logo de início é quase uma tragédia, o musical dá uma aliviada. Ele trata de insesto, aborto, suicídio, relação homossexual e masturbação. Ele pega todos esses questionamentos e esses conflitos adolescentes e joga para uma época onde tudo era muito reprimido. Estamos na Alemanha em 1891 tratando de assuntos que até hoje são polêmicos. O autor fez uma das cenas em que eu faço que é de um beijo homossexual, ele fez esta cena por que encontrou dois amigos mortos no campo. Provavelmente dois amigos que se amavam e não conseguiram agüentar tamanha repressão da sociedade e selaram um certo pacto e foram encontrados mortos. As músicas vieram a partir de um workshop de oito anos da Broadway. Eles pegaram o texto e condensaram. As músicas mostram momentos da peça que não são falados. Elas entram no plano do pensamento dos personagens. O texto é maravilhoso de se trabalhar, eu já tinha visto ele sendo encenado lá em Porto Alegre e ele é cada vez mais envolvente. Estamos em cartaz desde agosto e cada dia é um dia diferente”.



FZS: Quando você fez a audição você já sabia que se tratava de um texto polêmico?




Thiago: “Sabia que era um texto polêmico, mas não sabia que o meu personagem, que é o Hanschen, seria o mais polêmico. O Hanschem é tratado pelo autor como o início do nazismo na Alemanha. Todos os jovens da história vão caindo e ele é o único que sobre. Mas por que isso? Porque ele sabe lidar com o sistema. Ele é frio e cruel, mas em compensação é o único jeito que ele arranja para sobreviver nesse meio. Ele é bem subversivo! E tem duas cenas chaves que são bem fortes e polêmicas. Umas que é de masturbação e outra cena homossexual. Então além de tudo é um desafio tremendo e diário”.



FZS: De onde veio a inspiração para interpretar o Hanschen?

Thiago: “Eu vi muitos filmes do Fassbinder que é um diretor alemão e vi muitas vezes A Queda: As últimas horas de Hitler. Por que o alemão, ele é quase um alien para nós brasileiros por que nas situações mais perigosas ele esta com controle, ou pelo menos aparenta isso. Um bomba pode estar explodindo daqui há 5 segundos, mas ele aparentemente terá controle sobre isso, por mais que não tenha. E o meu personagem só sobrevive por que ele é assim”.




FZS: E como é a reação do público com o seu personagem?





Thiago: “A reação foi surpreendente por que o Hanschen é muito cínico. E o cinismo é uma porta muito boa para você dialogar com o público. Por que ele torna as situações mais constrangedoras em engraçadas. A resposta do público foi muito boa por que eles não afastam, eles entendem que ele é um subversivo e tem um certo carisma. Tanto a cena da masturbação como a cena do beijo eu recebi depoimentos de pessoas que disseram que na adolescência passaram por esta mesma situação de o pai bater na porta do banheiro. As pessoas se identificar. No inicio da temporada era quase todo o teatro lotado com pessoas de mais de 60 anos, agora as pessoas mais jovens estão descobrindo o espetáculo. Estar lindando com o público gay também esta sendo muito legal. Por que eles realmente estão acolhendo a cena de uma maneira muito bacana”.




FZS: E como tratar de temas tão polêmicos sem cair nos clichês?


Thiago: “Sendo sincero. A minha única alternativa com o Hanschen é ser sincero com ele. Por que se eu criticar ele ou colocar um rótulo na cara dele, se chamá-lo de vilão ou homossexual, não. O texto é muito bom e se você parar para ler e estudar tem tudo ali. Eu trato com a mesma sinceridade que eu trato o Thiago. A impressão que eu tenho é que o Hanshcen coloca os assuntos na mesa de jantar. As pessoas vem me falar isso. E isso é de uma importância e honra para mim de estar conseguindo abrir espaço em famílias mesmo, para conversar sobre esses temas. E a cena da masturbação foi um processo bem focado nesse sentido assim. Tem o cuidado de ser sutil, mas também tem a ânsia do cara que esta ali. Ele se masturba com uma pintura renascentista. Essa cena é muito técnica. Por que existe uma preocupação e com o ritmo e é uma cena que tem quebra toda hora, pois o pai dele bate na porta toda hora. É um espetáculo onde você não vai sair do jeito que entrou. Alguma pulga atrás da orelha você vai ter”.




FZS: Você pretende continuar fazendo musicais?




Thiago: “Eu estou fascinado. Trabalhar com Charles e com Cláudio é um privilegio imenso. É de um profissionalismo, sinto que todo mundo abraçou o espetáculo de uma maneira muito intensa. É um trabalho que exige tudo do ator, tem que estar com o corpo excelente, com uma voz excelente e a parte de interpretação. Além de tudo é um exercício muito gostoso e pretendo continuar”.


FZS: E os planos para 2010?


Thiago: “Agora eu só penso no espetáculo assim. Vou deixar vir o que tiver de vir. Mas o meu foco agora é continuar com o espetáculo. Penso em trabalhar com cinema e televisão, por que o ator tem de estar preparado para todas as linguagens. Então venha o que tiver de vir”.



Serviço


“O Despertar da Primavera”
Teatro Villa-Lobos - Av. Princesa Isabel, 440. Copacabana


Temporada de 21 de agosto a 15 de novembro
Quintas e sextas, às 21h/ Sábados, às 21h30. Domingos, às 18h.
Ingressos a R$ 60 (quintas e sextas); R$ 70 (domingos) e R$ 80 (sábados).
Classificação 14 anos

Um comentário:

Anônimo disse...

Como é gratificante observar o "despertar da primavera profissional" acontecendo com o Thiago Amaral. Que tu possas continuar passando para o publico mensagens que fazem a diferença e que vêm desse teu rico interior. Didi